Somos provincianos. Demasiado provincianos. Regionalistas. Só conseguimos ver em torno do próprio umbigo. Atestado de hipocrisia é não olhar o mundo e perceber que todas as reações são consequências das nossas ações.



A ironia é que para o provinciano só há uma terapia: é saber que ele existe. O provincianismo vive da imprudência de nos considerarmos civilizados, demasiado civilizados quando o não somos, de nos julgarmos superiores precisamente pelas qualidades por que o não somos. Fernando Pessoa resumiu-o brilhantemente: “o provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela - em segui-la pois mimeticamente, com uma subordinação inconsciente e feliz”. Ora, o princípio da qualquer verdade está no conhecimento do erro.

A síndrome do provinciano compreende uma visão limitada do mundo, que é muito mais do que a nossa casa, a nossa cidade ou a nossa região.  Muito se escreve sobre o interior, sobre o norte, sobre o sul, sobre esta ou aquela região, numa visão tão ínfima que nos impede de alcançar o universal, que é nossa pertença, a nossa herança e que amanhã será o legado das gerações vindouras.

“Não há dúvida de que deveríamos sentir vergonha”, disse Lise Grande, coordenadora residente da ONU no Iémen, segundo notícia avançada pelo SOL. “Não há dúvida de que deveríamos sentir vergonha e, sempre que acordássemos, deveríamos renovar o nosso compromisso em fazer o máximo possível para ajudar as pessoas que sofrem com este conflito”, refere a mesma fonte. Iémen. Doze milhões em risco pela maior fome dos últimos 100 anos. O que é o nosso “mundinho” perante esta realidade tão impiedosa?

António Guterres diz que a ONU oferece ajuda humanitária a oito milhões de pessoas naquele país, um número que pode aumentar para 14 milhões em 2019, mas que há o risco de ocorrer “a maior fome dos últimos anos”. Mais, acrescenta, “sem essa ajuda humanitária, teríamos uma fome de uma dimensão desconhecida neste século”. Três quartos de uma população de 30 milhões de pessoas precisa de ajuda e mais de oito milhões dependem de ajuda externa para conseguir sobreviver, ou seja permanecer vivo apesar das contrariedades. Sobreviver é o contrário de morrer. É manter-se no limite. Já viver, é usufruir da vida com saúde, paz, conforto, pleno bem-estar físico, mental e social.

A ONG britânica Save The Children já tinha alertado para a realidade vivida pelas crianças neste país. Em setembro, mais de cinco milhões de crianças já se encontravam em risco de fome. O secretário-geral da ONU já referiu que existe um consenso entre as potências mundiais de que é preciso terminar a guerra no Iémen. As palavras de Guterres foram ditas depois de esta crise ter sido tema das reuniões realizadas entre alguns dos líderes das grandes potências em Paris, por ocasião das cerimónias do centenário do armistício da Primeira Guerra Mundial. Mas, o problema maior é que estamos perante uma guerra em que nunca haverá vencedores!

“A ofensiva militar em curso dentro e em volta da cidade de Hodeida e no seu porto intensificou-se nos últimos dias, com civis apanhados no meio do fogo cruzado, que são quem, definitivamente, pagam o preço do conflito”, declarou uma porta-voz de Federica Mogherini, em comunicado. Nós que somos uma sociedade de leis, não conseguimos respeitar a mais nobre das leis, a lei humanitária.

O que cada um de nós poderá fazer? É sabido que as pessoas não querem guerra. Serão sempre os líderes dos países que determinam a política e orientam o seu povo, seja em democracia ou ditadura. Querer acabar com a fome deve ser dos mais nobres desígnios de uma cultura. Pode ser por diversas motivações, mas deverá ser sempre um projeto individual e coletivo, sobretudo quando se sabe, mas nunca o suficiente, do sofrimento que as guerras implicam. A questão é saber como poderemos ajudar, não tanto o que nos motiva, não basta olhar e lamentar.

Viver na ignorância pode ser menos doloroso, mas só até percebermos que somos ignorantes. 

Saber que mais de cinco milhões de crianças já se encontravam em risco de fome é uma dor d'alma! Como poderemos ajudar? Talvez seja impossível, mas se pudesse ajudar a salvar apenas uma, sentir-me-ia mais humana.

Não nos escondamos atrás da ignorância de não conseguir, mas sim da inteligência de querer fazer mais. “Não há dúvida de que deveríamos sentir vergonha!”

Foto: New York Times




Uma guerra sem vencedores!

by on novembro 20, 2018
Somos provincianos. Demasiado provincianos. Regionalistas. Só conseguimos ver em torno do próprio umbigo. Atestado de hipocrisia é não ol...