Em algum momento, há milhões de anos, teve início uma história de amor que mudaria, para sempre, a vida do homem e de seu fiel companheiro na Terra. Dos lobos selvagens, aos cães domesticados, jamais abandonariam os humanos, acompanhando-os por todos os cantos do mundo.

O que facilitou essa transição sempre foi objeto de curiosidade científica. Cientistas norte-americanos sugerem que a sociabilidade canina está nos genes, oferecendo uma explicação diferente da tradicional. Contrariando estudos anteriores, segundo os quais, na domesticação, os cães foram selecionados pelo conjunto de habilidades cognitivas — em especial, a capacidade de distinguir vozes e gestos —, novos estudos sugerem que a seleção teve outro critério: a tendência de procurar a companhia do Homem.

Têm quatro patas, um corpo felpudo e pelagem ondulada, nariz arredondado, ouvidos vigilantes e um amor incondicional. Expressão atenta, extrema inteligência, visão e olfato. Este é o Quico, o mais recente membro da família. O seu caracter é adaptável ao nosso estilo de vida, seja numa casa ou num apartamento, apenas tem que se sentir parte integrante da família. 

Quico Nico Estrela do Mar é um Cão de Água português. A esta raça se referiu Raul Brandão, no seu livro «Os Pescadores» a respeito da faina nos caíques de Olhão: “Tripulavam-no vinte e cinco homens e dois cães, que ganhavam tanto como os homens. Era uma raça de bichos peludos, atentos um a cada bordo e ao lado dos pescadores. Fugia o peixe ao alar da linha, saltava o cão no mar e ia agarrá-lo ao meio da água, trazendo-o na boca para bordo.” Em 1981, o Guinness World Records considerou-a a raça canina mais rara do mundo. 

Viver com um cão pode mudar a nossa vida. Além da grande responsabilidade, é também uma fonte inesgotável de prazer e bem-estar. Partilhar a minha vida com o Quico faz-me imensamente abençoada. O meu cão ensinou-me o valor do compromisso e da reciprocidade. Graças a si, também aprendi o valor da lealdade e do amor incondicional. A minha vida é infinitamente melhor. Com ele não há segundas intenções, existe bondade e pureza absoluta. 

O Quico vive intensamente cada momento, aproveita cada caminhada ou passeio como se fossem os primeiros, mas sempre com a mesma motivação, como se dos últimos se tratassem. Ele desfruta a vida e vive-a intensamente. Quanto à caminhada, não perde tempo a escolher o local, porque vai feliz e o que realmente importa é estar comigo e com a restante família, partilhando a sua felicidade por estar connosco. 

Adoro a sua ordem desordenada. Não há razão para perder tempo com pormenores ou estabelecendo prioridades: ele fica feliz com muito ou com pouco, o segredo está em saber apreciar. 

Ver a sua satisfação e sentir a sua respiração serena, dá-me uma paz indizível. Vê-lo deitar-se perto de nós, sentindo-se seguro e amado, é fazer-nos sentir da mesma forma. 

É muito comum pensarmos que os animais não compreendem o que dizemos, mas certamente entendem. Talvez não pelo que dizemos, mas pela nossa capacidade de comunicação e transmissão, porque eles sentem os diferentes estados de espírito do dono.  

Num estudo intitulado de “Timmy’s no poço: Empatia e ajuda pró-social em cães”, que foi publicado na revista “Learning & Behavior” e que presta homenagem a um dos cães mais conhecidos e adorados de sempre, a Lassie, um grupo de investigadores demonstra que os cães com fortes laços com os seus donos são capazes de passar por qualquer tipo de obstáculo para os reconfortarem se estes não estiverem bem. 

E a lealdade? Bem, essa qualidade envolve emoções e sentimentos. Lealdade é definida como: “Fidelidade, Sinceridade; dedicação”. Quem não se lembra do Hachicko e de quantos dias esteve à espera do seu dono ao frio, calor, neve ou chuva? 

Com quase 4 meses, o Quico já se sente único e insubstituível! Ensinou-nos coisas sem fim e sei que nos seguirá para a vida toda. “O cão é o fiel amigo do homem ”, “Os cães são melhores do que muitas pessoas” são frases muitas vezes ouvidas. Ambas são verdadeiras. A fidelidade de um cão não tem limites e o nosso amor por ele também não. 

Eramos quatro, passámos a ser cinco, e somos uma família muito mais feliz. Existem prazeres difíceis de descrever. De autor desconhecido, gosto da apropriação: "Errar é humano, perdoar é canino!"

Amor canino

by on novembro 06, 2019
Em algum momento, há milhões de anos, teve início uma história de amor que mudaria, para sempre, a vida do homem e de seu fiel companheiro ...

Todos somos um pequeno instante no universo. Nascemos, crescemos e morremos. É certo que para podermos falar de identidade temos que conhecer a nossa essência, que passa pelas nossas raízes e pelo sentimento de pertença que nos liga ao lugar onde nascemos e crescemos. Uma terra que ansiamos ou precisamos para aquecer o espírito, para que a nossa vida faça sentido, a fim de descobrirmos quem somos



A nossa visão sobre o mundo é o que nos torna peculiares. Quem transmite generosidade, recebe tolerância. A ideia da existência do infinito pode fazer-nos pensar que não somos de lugar nenhum, mas é um conceito irreal, para não dizer efémero.

Existirá um dia, ou talvez já tenha existido, em que finalmente descobrimos o nosso lugar no mundo. Descobertas assim levam tempo, é verdade. Mas quando resolvemos abraçar as dúvidas e as certezas, encontramos uma sensação maior e descobrimos o que significa pertencer. 

Todas escolhas vêm acompanhadas de uma perda e isso origina o medo. Não sou a exceção à regra. Quando há 25 anos deixei para trás o Reino Maravilhoso, tão bem retratado por Miguel Torga, com ele também ficou o meu falso conforto e um grande oceano megalítico. Senti que o processo de mudança pode ser muito mais importante do que a mudança em si, já que envolve uma revisão dos nossos valores e do atual momento de vida. «Embora muitas pessoas digam que, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo. O que é preciso, para os ver, é que os olhos não percam a virgindade original diante da realidade e o coração, depois, não hesite.» E mais uma vez Miguel Torga tinha razão. Para uma transmontana, agarrada às raízes, «o remédio é partir discretamente, sem palavras, sem lágrimas, sem gestos. De que servem lamentos e protestos, contra o destino?”

Senti muita falta da família e dos amigos que ficaram, mas toda a insegurança e saudade foram amenizadas ao sentir a brisa do mar no rosto! Depois, existia a Ria Formosa, as ilhas e os seus encantos. A sua formosura parecia estar adormecida, como se do paraíso se tratasse. Fenómeno estranho, mas surpreendente, e rapidamente fui absorvida por este lugar, como se sempre estivesse estado à minha espera. 

A minha rua tinha uma paisagem encantadora, mas não tinha o mar ao fundo, tal como no poema de António da Encarnação Pereira. Nunca passava um navio. Aqui passam navios de todo e para todo o mundo. Só um poeta algarvio conseguiria escrever assim porque tinha na alma a paz e o enamoramento que só o Algarve possui. Senti-me enamorada desde o primeiro encontro, selando esse compromisso com dois filhos algarvios e amizades para a vida. O Algarve é naturalmente sublime. 

“És de Faro, és Farense”. Redundante à primeira vista, não o será se nos cingirmos à sua génese futebolística e ao histórico Farense. Honrar a terra que nos acolhe é sempre um sinal de respeito. Não sou de Faro, na minha génese, sou transmontana pelo sangue, mas farense (e Farense) de coração. 

“És de Faro, és Farense.” 





Há dias uma amiga dizia-me: “tu nunca deixas nada por dizer”. Detive-me sobre a afirmação e pensei: “não é verdade”. A idade traz-nos alguns privilégios e um deles é perceber que, às vezes, o silêncio é uma arma eficaz contra a estupidez. Emito muitas vezes a minha opinião, mesmo quando não me é pedida, e isso já me trouxe algumas acidezes. Deixo muito por dizer, mas nunca o mais importante. Jamais direi o que o outro espera ouvir, a não ser que seja o que eu realmente quero dizer.


A amizade é um privilégio. O amor uma bênção. A autenticidade uma dádiva.

Quem nunca pensou simplesmente em “desligar” à espera de um novo dia ou de uma nova vida? Ou em permanecer num estado letárgico? Ficar apático e indiferente, mas não insensível, a tudo o que nos rodeia e conspira contra nós?

Ficamos sem chão. Quando temos que encarar o mundo com um sorriso no rosto, mas, na verdade, sentimos um ardor dentro do peito. Quando queremos falar, mas nada conseguimos dizer. Quando a mente fervilha com tantos pensamentos que dificilmente conseguimos acompanhar o seu ritmo.

Situações há que nos deixam à margem de nós mesmos. Talvez seja mais fácil congelar alguns sentimentos do que deixar que nos sufoquem. Lidar com a dor é uma das coisas mais difíceis que teremos que enfrentar enquanto vivermos.

É preciso saber recomeçar mesmo quando não aceitamos o fim. É necessário seguir em frente, ainda que alguns fragmentos fiquem para trás. Vislumbrar a luz ao fim do túnel é sempre um objetivo a alcançar, mas é necessário que ela brilhe primeiro dentro de nós. Aprender a agir de forma não absoluta é uma lição de sabedoria. Sempre que escolhemos uma direção devemos segui-la com convicção. Se assim não for, correremos o sério risco de sermos excluídos pela própria vida, e não há tristeza maior! Quando olhamos para a trajetória ou para os vários rumos que traçamos devemos orgulhar-nos de tudo o que passámos para chegar até aqui, sem nunca esquecer o que foi difícil, nem os que connosco caminharam. Se não foi fácil, foi verdadeiro.

Na vida é sempre assim. A única diferença é que nela seremos para sempre aprendizes. Cada momento é uma nova oportunidade para aprendermos a ser melhores. Existe em nós a arte de nos reinventarmos. Nascer de novo é o maior presente que a vida tem para nos dar, e ela é generosa. Entretanto, a questão é “estamos prontos para receber”?
Passam-se dias, semanas, meses, anos, uma eternidade. Continuamos a pensar que temos tempo. A vida e o tempo são tão intrínsecos! Deixam perguntas, mostram respostas, esclarecem dúvidas, mas, acima de tudo, trazem verdades. O tempo é implacável.

Não tenhamos pressa, mas também não percamos tempo aguardando o tempo que não vem e lamentando o que não volta. Diga, faça, mostre, ame. Nunca deixe nada por dizer. Depois pode ser nunca!


Depois pode ser nunca...

by on junho 26, 2019
Há dias uma amiga dizia-me: “tu nunca deixas nada por dizer”. Detive-me sobre a afirmação e pensei: “não é verdade”. A idade traz-nos algu...
Um pai não precisa de estar entre nós para estar presente. Mesmo ausente, o pai faz-se representar onde quer que nós estejamos. Por outro lado, há pais que mesmo estando presentes, estarão absolutamente distantes. Datas para celebrar o dia do pai ou da mãe são momentos de alegria, mas também dias que fazem acentuar o sabor amargo da ausência. 



Há pais, como o meu, que mesmo quando partem para uma viagem sem regresso, nunca nos deixam sozinhos. As lembranças da sua existência não são enfraquecidas nem pelo espaço físico, nem pelo tempo, nem pela fragilidade da vida, porque se perpetuam na tranquila e serena saudade.

Este ano, tal como no ano passado, não irei telefonar-te, mas celebraremos igualmente o «Dia do Pai». Porém, será diferente. Pais ausentes, mas que sempre foram muito presentes, estarão sempre onde os seus filhos estiverem.

Existem duas histórias sobre a origem do “Dia do Pai”. Uma refere que sua fundação teve origem nos Estados Unidos da América, em 1909. Baseia-se na história de Sonora Luise, filha de um militar, que resolveu criar o “Dia dos Pais” motivada pela admiração que sentia pelo seu pai, William Jackson Smart. A festa foi ficando conhecida em todo o país e, em 1972, o presidente americano Richard Nixon oficializou o dia.

Outra remonta a 2000 A.C, na Babilónia. Um jovem rapaz, de nome Elmesu, escreveu numa placa de argila uma mensagem desejando saúde, felicidade e muitos anos de vida ao seu pai.

A tradição determina que seja entregue uma prenda ao pai para o homenagear. Para nós, este ano não haverá prendas. Mas existem os teus netos que oferecem prendas simbólicas ao pai que, tal como tu, é digno desta celebração porque está sempre presente na integridade, sabedoria, dificuldade e nos conselhos. A família costuma reunir-se, com um jantar diferente. Tu também estarás presente, através de todos nós. No “Dia do Pai”, o melhor presente é aquele que tem um maior significado. Uma palavra, uma música, um abraço, ainda que imaginário, são a melhor demonstração de amor.

A celebração da data varia de país para país. Em Portugal é comemorado no dia 19 de março, dia de São José, santo popular da igreja católica. Além de Portugal, também celebram o “Dia do Pai” nesta data países como Espanha, Itália, Suíça, Andorra, Bolívia, Honduras, Liechstenstein, entre outros. Tenho esperança que, onde quer que estejas, também te associes às comemorações. Na verdade, tenho a certeza de que nunca estarás longe demais, mas
 sim perto o suficiente.

Compreendi que às vezes não é necessário estar presente, mas é imperativo gerar vínculos afetivos sólidos. Percebi que a saudade é como o amor, nunca para de crescer, porque aqueles que amamos são aquilo que nós somos, mesmo estando longe.

Amem, cuidem e deixem-se amar.

Feliz Dia do Pai!

Quando um pai é infinito!

by on março 19, 2019
Um pai não precisa de estar entre nós para estar presente. Mesmo ausente, o pai faz-se representar onde quer que nós estejamos. Por outro l...
Neto de Moura e o dia de luto pelas vítimas de violência doméstica. A frase, à primeira vista em tudo antagónica, não o será assim tanto se pensarmos que esse flagelo precisa de muito mais do que um dia de luto nacional e de muito menos juízes como Neto de Moura. 


Quando o País assinala um dia de luto nacional pelas vítimas de violência doméstica, o primeiro-ministro António Costa escreveu na sua conta do Twitter que a violência doméstica tem de ter um fim e salienta que o combate a este fenómeno é um desafio coletivo da sociedade e que a evocação das vítimas constitui um começo da ação. Quanto ao fim, lamento mas não está à vista. Quanto ao desafio coletivo, concordo. Desafio para o qual os sucessivos governos nada têm contribuído. O relatório mais recente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), de 2016, aponta para uma média de 100 mulheres por semana vítimas de violência doméstica. Estes números baseiam-se nos casos conhecidos, mas e a violência silenciosa? 

Por ciúme doentio, por vingança, espancadas, abatidas a tiro de caçadeira, atacadas com arma branca, assim foram mortas 12 mulheres que já fazem parte da lista negra de 2019. “Evocar as vítimas é começar a agir”, refere António Costa. Agir? De que forma? Várias queixas chegam à polícia e são desvalorizadas pelo Ministério Público. Muitas destas vítimas já se encontravam referenciadas, já tinham apresentado queixa e continuaram sucessivamente sem um plano de segurança para as proteger, quando se encontravam num risco de vida iminente. Exemplos há em que a vítima e o agressor foram convocados para uma audição no mesmo dia, ou seja uma vítima de violência doméstica é obrigada a estar no mesmo espaço do seu agressor. 

“6 de março de 2019. Ana Paula Comanda, 39 anos, foi morta pelo marido na casa onde ambos viviam na freguesia de Salamonde, em Vieira do Minho, Braga. Embora o presidente da associação de bombeiros locais tenha referido que os conflitos entre o casal eram frequentes, o caso não foi denunciado e acabou com Ana Paula a ser estrangulada pelo marido. Ainda na mesma noite do homicídio, o marido confessou o crime no posto da GNR de Braga, onde se foi entregar.” (Fonte: Diário de Notícias

A violência doméstica é um crime público, desde 2000. Por ser crime público, não é necessário que seja o lesado a apresentar queixa. Qualquer um pode denunciar. No entanto, dados de 2012 a 2015 revelam que mais de 80% dos casos são arquivados. Perante tais evidências, muitos preferem olhar para o lado e fazer jus ao ditado “entre marido e mulher ninguém mete a colher”. 

O primeiro ministro de Portugal escreveu ainda na sua conta pessoal: "A violência doméstica é uma grande tragédia que assinalamos com o luto nacional, evocando na perda das vidas e no sofrimento das vítimas que não aceitamos viver numa sociedade que silencia e que ignora". Silencia e ignora? Sim, é verdade. A começar pelos 80% dos casos arquivados pelo Ministério Público que até referencia, mas não protege e age tarde demais. 

Não pretendo contribuir para o massacre público do juiz Neto de Moura. Que fique claro, não por ter medo de ser processada, mas porque não estando verdadeiramente informada, não posso julgar, mas sim repudiar. "No Corão proclama-se que as mulheres foram criadas para os homens, são seres inferiores e imperfeitos e capazes de grandes astúcias", lê-se. E continua: "Mulheres virtuosas são mulheres obedientes. Os homens podem bater-lhes, mas, desde que obedeçam, não procurarão mais motivos de querela". Por fim, lembra, "na Bíblia prega-se a mesma atitude submissa da mulher." Estas palavras e expressões usadas pelo juiz no polémico acórdão do Tribunal da Relação do Porto, em outubro de 2016, sobre um caso de violência doméstica, fazem-nos regressar ao homem das cavernas. Embora descontextualizadas, repito, nem merecem ser comentadas, por serem inapropriadas, fossilizadas e machistas. Pôs-se a jeito. 

Espero que a polémica em torno de Neto de Moura ajude a perceber o verdadeiro estado da Justiça, lembrando que o Senhor Juiz não estará porventura isolado no corporativismo que analisa os acórdãos e sentenças sobre violência doméstica. 

Para terminar relembro as frases atribuídas nos media a Joana Ferrer, a juíza do Tribunal Criminal de Lisboa, que presidiu ao caso em que Manuel Maria Carrilho foi acusado de violência doméstica contra a ex-mulher, Bárbara Guimarães, e que terão sido ditas na primeira sessão do julgamento. Tratando sempre Bárbara Guimarães como "Bárbara" e Carrilho como "o professor", a juíza Joana Ferrer aludiu: "Ó Bárbara, causa-me nervoso ver mulheres informadas a reagirem assim. Se tinha fundamento, devia ter feito queixa", ou: "Confesso que estive a ver fotografias do vosso casamento e tudo parecia maravilhoso. Parece que o Professor Carrilho foi um homem, até ao nascimento da Carlota [a segunda filha do casal], e depois passou a ser um monstro. Ora o ser humano não muda assim". Não evocando o homem das cavernas, estas observâncias deixam transparecer, com desajustado requinte, uma imparcialidade que em nada se coaduna com a ética de um juiz, que não deve assentar na prepotência, na arrogância e no autoritarismo. Já dizia Jean-Paul Sartre, filósofo francês, “a violência, seja qual for a maneira como se manifesta, é sempre uma derrota”! 


Parece estar comprovado que as crianças e os jovens com maior domínio sobre as suas emoções têm melhor desempenho escolar, maior capacidade de integração, maior predisposição para enfrentar e superar as dificuldades e menor probabilidade de seguirem comportamentos de risco. Vários estudos também atribuem muitos dos problemas dos adultos às dificuldades em controlar as suas emoções. 


Em poucas palavras, podemos dizer que a inteligência emocional está intrinsecamente associada à capacidade de conhecer, compreender, gerir e perceber as nossas emoções e as dos outros de forma positiva. Já Platão dizia que toda a aprendizagem assenta numa base emocional. E talvez tivesse razão! 

O desenvolvimento emocional é um processo de construção que sofre grandes influências do meio, e as escolas deviam exercer um papel mais ativo na formação das crianças e dos jovens e na forma como exploram - ou não - as suas emoções. 

Atualmente, em alguns países já se pratica a educação emocional na escola, mas Portugal está muito longe dessa realidade. Por exemplo, num estudo divulgado recentemente pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), as escolas dos distritos de Faro e de Beja são as que mais fracassaram no objetivo de levar os seus alunos a concluir o 1.º ciclo do ensino básico em quatro anos. O mesmo estudo refere ainda que os alunos dos dois distritos também ficam aquém do que seria de esperar no 2.º ciclo. E, se estudos houvesse, provavelmente também o ficariam no 3º ciclo. 

Num artigo publicado no jornal «Público» sobre o mesmo estudo, o papel das famílias é visto como “fundamental” por Carlos Luís, diretor do agrupamento de escolas João de Deus, em Faro, um dos distritos com pior desempenho nos indicadores divulgados pela DGEEC. O diretor afirmou ao mesmo jornal que “faz toda a diferença a forma como os pais olham para a importância da escola na vida dos filhos”, algo que ajudará a perceber o desempenho do Algarve. 

Não discordando totalmente, importa referir que, muitas vezes, são as próprias escolas que fomentam a pouca articulação com as famílias. Talvez este desligamento não se verifique tanto ao nível do 1º ciclo, mas começa a ser notório no 2º e ainda mais acentuado no 3º ciclo. Muitas escolas não aceitam intromissões, quer sejam meras sugestões, quer seja o feedback de algumas das preocupações ou anseios dos alunos. Quando se pede uma maior articulação entre a família e a escola, pede-se apenas a participação de pais passivos, sem opinião, que não questionem. O mesmo se passa com os alunos, cria-se o estereótipo do bom aluno, não se respeitando as individualidades, como se de um “rebanho de carneiros” se tratasse! Uma escola que não elege o aluno como figura central do seu regulamento interno, está condenada ao fracasso! 

Segundo notícia do mesmo jornal, tendo por base um estudo, divulgado no passado mês de dezembro, sobre os estilos de vida dos adolescentes portugueses, em cada 100, quase 30 (29,6%) dos adolescentes dizem que não gostam da escola. Mas o que mais surpreendeu os autores foram os níveis de exaustão e de tristeza: 17,9% dos adolescentes inquiridos disseram-se cansados e exaustos “quase todos os dias”, 12,7% acusaram dificuldades em adormecer e 5,9% confessaram que se sentem “tão tristes que não aguentam”. Em 1998, 13,1% dos alunos diziam não gostar da escola. Vinte anos depois, essa percentagem aumentou para os referidos 29,6%. A mesma notícia cita ainda a investigadora Margarida Gaspar de Matos, que considera que “o ensino está todo virado para a nota em vez de estar para o conhecimento académico e das pessoas. E isto é uma escola muito punitiva. É uma escola que existe para enfardar conhecimento e não para fazer com que as pessoas desabrochem”. 

Uma escola que não ministra a educação emocional em linhas transversais, interligando diversas disciplinas por meio da colaboração dos professores, não evolui. Uma escola com professores que não conseguem regular as suas próprias emoções para que possam direcionar crianças e adolescentes nessa mesma tarefa, forma alunos inseguros, com baixa autoestima e comportamentos compulsivos. 

Segundo a Direção Geral de Educação (DGE), “na componente do currículo de Cidadania os professores têm como missão preparar os alunos para a vida, para serem cidadãos democráticos, participativos e humanistas, numa época de diversidade social e cultural crescente, no sentido de promover a tolerância e a não discriminação, bem como de suprimir os radicalismos violentos”. 

A inteligência emocional é traduzida em habilidades práticas, como a habilidade de saber o que eu sinto e o que o outro sente, o controle emocional e o talento para nos motivar, assim como a empatia e as habilidades sociais. Enquanto a disciplina de Cidadania for avaliada tendo em conta o aproveitamento geral das outras disciplinas, nunca se contribuirá para que no futuro possamos ter adultos e adultas com uma conduta cívica que privilegie a igualdade nas relações interpessoais, a integração da diferença, o respeito pelos Direitos Humanos e a valorização de valores e conceitos de cidadania nacional» (cf. Preâmbulo do Despacho n.º 6173/2016, de 10 de maio). 

Isto de ser “bom aluno” tem que se lhe diga! E se for um aluno “rebelde”, como no filme de Robin Williams e Matt Damon? Talvez o que a escola atual precise é de mais professores como o interpretado por Robin Williams, pouco ortodoxo é certo, mas que, com o seu talento e sabedoria, conseguiu inspirar os seus alunos a perseguirem as suas paixões individuais, tornando as suas vidas muito mais extraordinárias!