“Sempre houve e haverá reinos maravilhosos”

"Fica no cimo de Portugal, como os ninhos ficam no cimo das árvores para que a distância os tome mais impossíveis e apetecidos". Hoje invoco Miguel Torga porque ao fazê-lo celebro as minhas origens, o mais íntimo do meu ser, as minhas gentes. 
“Embora muitas pessoas digam que não, sempre houve e haverá reinos maravilhosos neste mundo.” Trás-os-Montes é, segundo Torga, um desses reinos que todos podem ver, desde que "os olhos não percam a virgindade original diante da realidade e o coração, depois, não hesite". Miguel Torga pode estar certo de que ninguém hesitará perante reino tão sublime! 

Mas quem foram os primeiros transmontanos? Muito antes das invasões romanas, por volta de 218 a.C. sabe-se que já habitavam na Península Ibérica os povos Ibéricos. Para melhor entender a origem transmontana, é necessário fazer uma viagem ao passado, até à pré-história da Península Ibérica. Ser transmontano é carregar, assim, séculos de história de um reino e das suas gentes singulares, é reconhecer o cheiro da urze e perceber que apenas o céu é o limite. É não esquecer o aroma da terra quando chove nas tardes quentes de verão e o chilrear dos pardais quando desperta a primavera. 

Todos temos fraquezas e fragilidades. Talvez as encaremos de forma diferente, em alturas distintas. As circunstâncias tornam-nos mais autênticos e mais conscientes das nossas fraquezas. O carácter guerreiro e lutador dos transmontanos não nos impede de demonstrar a nossa fragilidade. A imperfeição é uma caraterística dos mais fortes. 

Nasci com um pé na terra e outro no céu, escalei fragas e montanhas, escrevi poesia e, nas entrelinhas, pude perceber, desde muito cedo, a importância da dureza e da coragem. No interior não existem verdades fáceis, há apenas honestidade e franqueza de carácter. Os transmontanos conheceram bem (ou continuam a conhecer) o peso da interioridade. 

Sente-se um calafrio. A vista perde-se de deslumbramento, nada é comparável ao grande “oceano megalítico”. A cada regresso, encontro novamente o mais alto grau de paz interior, numa conexão plena com a natureza, com a minha consciência, sem nunca esquecer os alicerces que me moldaram o caráter. 

Passemos de novo a Miguel Torga. 
“- Entre! 
A gente entra, e já está no Reino Maravilhoso”. 

Em Trás-os-Montes existe mística e harmonia, dureza estampada em cada fissura, fé inabalável na natureza. Assim como as estações, a vida tem ciclos. Existirão sempre os dias e as memórias antigas de um verão repleto de risadas, de muitas aventuras e de calor. Mas, depois do verão, ficaram as memórias eternas dos que já partiram, do outono tisnado e do inverno gelado, com sabor a lareira, a castanhas e jeropiga, e a dias de chuva e de neve carregados de tantos afetos! Depois, a primavera volta a chegar. A vida ganha novo fôlego, e as circunstâncias mudam. 

O nome transmontano quer dizer filho de Trás-os-Montes, e, tal como Miguel Torga, este é o meu o Reino Maravilhoso. 

A terminar recupero uma frase de José Saramago: “nós somos muito mais da terra onde nascemos, e onde fomos criados, do que imaginamos”. Ser transmontana não é uma coincidência, é um privilégio! 

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