Pífio fedorento

Não que eu seja irónica, pois tenho alguma dificuldade em perceber que a ironia seja utilizada como uma forma de demonstrar inteligência. Numa definição muito simples, “ironia” é uma figura de linguagem através da qual se expressa o oposto daquilo que se diz. Na verdade, quando sou irónica, tento sê-lo de forma bem-humorada. 


Já o “sarcasmo” é o uso ofensivo da ironia, com intuito de escárnio e troça. Este estilo de conversação, muitas vezes maldoso e mal-intencionado, tende a tornar os ambientes tóxicos e nada afáveis. Alguns consideram que é uma forma de chamar a atenção para um determinado problema, com algum humor à mistura. A leitura não deve ser muito rigorosa nem objetiva, mas deve ser entendida como uma forma de questionar algo.

Existem bons e maus textos. Apenas isso: bons ou maus. O artigo de opinião ‘Oncolamúrias’, publicado por José Diogo Quintela, é um bom exemplo de um péssimo texto. O humorista e colunista do Correio da Manhã decidiu centrar-se na questão da falta de condições no serviço de pediatria do Hospital São João, no Porto, que motivou várias queixas de pais de crianças com cancro, fazendo uma analogia com a situação na Síria e o défice nacional. Fê-lo recorrendo à ironia, dizem alguns, que carateriza os textos que publica na sua coluna de opinião ‘Pífios epitáfios’. 

Observe-se o que há de bom neste texto. Não o desconsideremos só porque algumas frases soam a sarcásticas. Tentemos ignorar a ironia trivial. Lembremo-nos de que a identificação pode ser difícil, e de que o autor pode estar a censurar algo, criticar ou denunciar, utilizando a ironia. Esgotadas todas estas pressuposições, sejamos honestos: este texto é uma MERDA! José Diogo Quintela escreve que “é preciso muita vontade de atacar o Governo, para os pais terem a lata de reclamarem das condições em que os filhos fazem quimioterapia, justamente na mesma semana em que as crianças sírias levaram os seus químicos sem se queixarem da assoalhada em que estão”. Talvez as minhas dores não sejam maiores do que as suas, nem sejam as maiores do mundo. Hipócritas são todos aqueles que tomam como suas as dores dos outros sem as terem sofrido. Apesar dos apelos para uma ação unida e concertada para ajudar a acabar com a escalada da violência na Síria, o Conselho de Segurança da ONU não conseguiu aprovar uma resolução que teria ameaçado com sanções contra Damasco, devido aos votos negativos dos membros permanentes - Rússia e China. Se nem o Conselho de Segurança da ONU conseguiu, o que poderemos nós fazer? A comparação é tão estúpida que não consigo identificar nem ironia, nem sarcasmo, apenas imbecilidade. 

Serei sempre pela liberdade de expressão, mas sejamos cuidadosos porque "a nossa liberdade acaba quando começa a dos outros". 

“No S. João, ao menos, têm um corredor. Já viram Ghouta? Nem paredes há! Trata-se de paizinhos que se lamuriam das condições de tratamento dos filhos, mas provavelmente rejubilam com o défice de 0,9%”. Concluindo: “E ainda têm o desplante de se queixarem das correntes de ar. A criança tem cancro e é uma constipaçãozinha que lhe vai fazer mal? Picuinhas”. 

Na vida existem corredores pelos quais nunca gostaríamos de ter que passar. Albert Einstein referiu sabiamente que “duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana”. Em relação ao universo, confessou não ter a certeza absoluta, já dúvidas não lhe terão restado quanto à estupidez humana. Picuinhas eu?

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