Comunicar Ciência em “bicos de pés”

Numa sociedade cada vez mais dependente da ciência e da tecnologia não podem existir investigadores solitários. Comunicar conclusões científicas é, por isso, natural, e ainda bem que assim o é, em prol da própria ciência.


Clareza e exatidão devem caraterizar qualquer tipo de comunicação. O bom uso da linguagem, o cumprimento das regras gramaticais, a permanente atenção a certos vícios e incorreções são fatores determinantes para uma comunicação assertiva, objetiva, convincente e sem rodeios.

Todavia, para comunicar, quer seja Ciência, Arte, Música, Pintura, Cinema, Literatura ou Teatro, é necessária uma enorme inteligência emocional, porque ao colocar-nos no lugar do recetor, estamos a utilizar argumentos que o poderão ajudar a uma melhor receção da mensagem. A liberdade de comunicação aumenta a responsabilidade daquilo que se transmite e, consequentemente, dos possíveis efeitos. A ciência suscita credibilidade. O problema é particularmente visível quando se utiliza uma comunicação persuasiva. Por exemplo, quando não existe uma fronteira entre manipulação e precisão. Quando o leitor se sente defraudado, a informação tende a ser frágil e descredibilizada, seja qual for o acontecimento ou circunstância a comunicar. Assim é na Ciência.

Comunicar Ciência não é fácil. Nem difícil. É como comunicar qualquer outra temática. O uso da retórica e, consequentemente, da argumentação corre o risco de manipular, de nos colocarmos “em bicos de pés”, de camuflar a verdade ou relativizar o absoluto. A comunicação de Ciência, tal como qualquer outra, obedece, ou deve obedecer, ao princípio universal da ética, baseando-se no acordo sobre os princípios de informar e não na arte de parecer ciência.

A Ciência é uma forma de pensar e, até hoje, tem sido a melhor e mais bem-sucedida a esclarecer os mistérios que nos rodeiam. Por isso, não é de surpreender que, por vezes, nos sirvamos dela para comunicar o que parece ser e não o que realmente é. Quem tenta comunicar, de forma eficaz, resultados duvidosos, precisa de simular uma aparência científica.

O público é confrontado com descobertas quase diárias. Atualmente, temas como o cancro, as neurociências, a nanotecnologia, a genética, qualquer tema que possa exercer sensacionalismo sobre o leitor, são explorados desonestamente, muitas vezes sem se pensar nos efeitos nefastos que estas supostas descobertas podem causar nos que vivem de perto dramas reais. Frases como “Cientistas pensam ter descoberto novas terapias para o cancro…”, “Cientistas acreditam ter encontrado a cura para…” não devem ser utilizadas em nome da ciência porque ainda o não são, e o que ainda não é não deve ser comunicado como tal. Quando assim se comunica devem ter-se em conta as evidências produzidas pela ciência, mesmo sabendo que as descobertas podem mudar a qualquer momento. Dizer-se que os cientistas “acreditam” que os seus resultados vão mudar algo, sugere-se, falsamente, que esta aceitação não é baseada na ciência, mas, de alguma forma, na fé. Expressões como “caso venha a confirmar-se” ou “acredita-se que estes resultados” são comummente usadas em notícias sobre ciência, quando são em tudo antagónicas à própria Ciência. Esta proximidade da ciência e da fé, ou seja, acreditar sem ter provas, tende a lembrar religião, que descreve o sobrenatural, algo que a ciência não pode, nem quer, realizar. É ridículo dizer que “acredito” no telemóvel. Eu sei dos seus benefícios, baseada nas evidências que o mesmo produz. Isto é ciência.

É certo que novos avanços podem produzir sempre novas certezas, que podem contribuir para a reavaliação das descobertas anteriores, mas isso é parte da ciência, um processo constante e dinâmico que continua a trazer novas questões e respostas.

Os lugares-comuns, as frases feitas e os chavões devem ser evitados. Nunca se pode escrever tudo. Na escolha de qualquer comunicação, incluindo a ciência, na seleção de qualquer ângulo de abordagem deverá prevalecer sempre o rigor da informação.

Em Ciência, a obrigatoriedade de partilhar com a sociedade os resultados obtidos deverá ser uma premissa, mas informar e comunicar com precisão deverá ser um princípio basilar.

Citando Sandra Duarte Tavares, linguística portuguesa, «reinventando o clássico cliché “nós somos aquilo que comemos”, nós somos, sem sombra de dúvida, aquilo que comunicamos!»

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