Covid-19, um vírus anti afetos


Estranha forma de vida esta que nos faz estremecer perante a calma aparente que se vislumbra pelas nossas cidades, ruas e até mesmo na nossa esfera de amigos. O silêncio torna-se avassalador, alguém que se aproxime de nós é visto como um estranho ou um suspeito. O simples ato de tossir tornou-se numa ofensa nunca antes vista. Desconfiamos de todos e todos desconfiam de nós e esta desconfiança mantém-nos prisioneiros de um inimigo invisível. 

Habituados a traçar o nosso caminho e a ter tudo sobre controlo, encontramo-nos no meio de uma encruzilhada que não sabemos para onde nos levará. Mais do que nunca, o mundo paralisou perante o vírus do medo, o Covid-19, que originou a maior pandemia do século XXI. Voltemos à encruzilhada. Um caminho leva ao desespero. O outro à total incerteza. Teremos nós sabedoria para saber escolher? Além dos aspetos sociais e psicológicos, que danos infligirá à Economia, à Democracia, à Educação e à Saúde? 

Num gesto simbólico, milhares de portugueses, em isolamento em casa, foram até às suas varandas ou janelas homenagear e agradecer aos profissionais de saúde, pelo trabalho desempenhado nas últimas semanas no combate à Covid-19. Os portugueses responderam em massa, através do apelo nas redes sociais "#SomostodosSNS". Duas lições a retirar: o Serviço Nacional de Saúde e os seus profissionais, tantas vezes criticados e censurados, estão agora na linha da frente; numa era de solidão digital em que há, cada vez mais, quem viva de “likes” e do número seguidores, as redes sociais, consideradas por muitos como uma espécie de “epidemia” dos tempos modernos, poderão agora ajudar a mitigar a solidão social.

Haverá um antes e um depois Covid-19. A Humanidade é dizimada por uma guerra mundial sem precedentes, em que todos parecem ser vencedores e vencidos. A 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial de Saúde dava conta de que mais de duas dezenas de casos de pneumonia de origem desconhecida tinham sido detetados na cidade chinesa de Wuhan, na província de Hubei. Tratava-se então de uma doença anónima e distante, que infetava e matava pessoas do outro lado do mundo. Quase três meses depois, sabemos que o vírus não respeita fronteiras e as fronteiras também não respeitam o vírus. Entre os infetados há ministros, escritores, atores, médicos, treinadores, atletas. Transcende as barreiras sociais e afeta todos os dias novos países e territórios. Estamos numa guerra à escala global.

Segundo dados publicados na Direção Geral de Saúde (DGS) já existiam mais de 180 mil casos confirmados (em 16/03/2020), mais de 7000 mortos, em 148 países, áreas ou territórios. O número de infetados em Portugal pelo novo coronavírus subiu para 448 e existem mais de 3500 casos suspeitos. Números estes que aumentam a uma velocidade incontrolável e que daqui a dias estarão completamente ultrapassados. A ser decretado o estado de emergência será a primeira vez que tal acontece no Portugal democrático, pós-25 de Abril.

A ministra da Saúde, Marta Temido, tem repetido que para evitar a propagação do surto é fundamental que todas as pessoas respeitem as indicações das autoridades de saúde. Por cá, alguns vivem revoltados contra aqueles que já se encontram em casa, em teletrabalho, desconhecendo que estes estão também a contribuir para os proteger. Outros preferem assobiar para o lado, esquecendo-se de que a responsabilidade social significa um compromisso com a vida, a nossa e a dos que nos rodeiam. Dizem que os ignorantes são mais felizes!

Se vivêssemos na antiguidade, a explicação para esta calamidade seria facilmente atribuída à ira divina dos deuses, ou às porfias da natureza. Hoje o Covid-19 põe-nos à prova, testa a nossa capacidade de resiliência. Atira-nos para dentro da própria família, criam-se laços dentro dos lares que há muito não existam. O novo vírus devolve-nos o tempo atrás do qual todos corríamos freneticamente. Torna-nos prisioneiros da nossa própria liberdade e mostra-nos de uma forma demasiado dura que a Humanidade será aquilo que fizermos dela. Ironicamente, surge como um antídoto para o nosso próprio veneno.

Atualmente, o Covid-19 está no centro das nossas vidas, e nós que eramos o centro do mundo passamos a ter o mundo inteiro dentro das nossas casas. Um mundo demasiado pequeno, mas carregado de afetos. Mas, o Covid parece não ter deixado nada ao acaso e alterou sem pudores relações e comportamentos. Não há nada mais gratificante do que o afeto, nada mais perfeito do que a reciprocidade dos mesmos, mas o caminho ainda é longo e exige muita, muita contenção.

Perder uma batalha não significa perder guerra, e a vida é constituída de muitas e incansáveis batalhas. E se estamos em plena batalha não nos podemos esquecer de que uma guerra nunca se vencerá lutando sozinho.

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