As Europas no centro da pandemia


Sempre ouvi dizer que para conhecermos os amigos é necessário passar pelo sucesso e pela desgraça. No sucesso, verificamos a quantidade e, na desgraça, a qualidade. O projeto Europa é uma utopia, no sucesso somos todos bons amigos, na desgraça, fugimos com “o rabo à seringa”. 
No fim do Conselho Europeu extraordinário, na passada quinta-feira, para discutir a reação europeia à crise do novo coronavírus, António Costa mostrou-se bastante exasperado com a reação de alguns países. A Holanda, mais uma vez, não se portou bem, mostrou claramente o que não se espera da Europa, agindo numa clara antítese ao que deverão ser os valores europeus. O ministro das Finanças holandês, Wopke Hoekstra, em desacordo com a ideia dos coroabonds referiu que alguns países da União Europeia tinham acumulado reservas, enquanto outros, como a Itália e a Espanha, não o tinham feito. Numa declaração cáustica e rara entre líderes europeus, o primeiro-ministro português classificou esta atitude de “repugnante" e "mesquinha". Costa foi duro? Não. Foi reto, justo e acima de tudo deu uma lição de solidariedade àqueles que acham que a Europa é um fantoche que cada um pode usar quando e como lhe der jeito. Há muito que os valores europeus estão ultrapassados, há muito que alguns países se consideram prima-donas. Este deverá ser o momento para a Europa concretizar os valores que defende, enfrentado unida uma crise sem precedentes ou deixando-se minar pelos habituais “frugais”. 

Não nos esqueçamos que esses países ditos "frugais" ou "forretas" são dos que mais beneficiam economicamente da existência de um mercado único europeu e esquecem-se que esse ganho ultrapassa largamente o valor das suas contribuições para o quadro financeiro plurianual. Mas, mais do que isso, esses “frugais”, os mesmos que querem cortes maiores na política da coesão e na política agrícola, os mesmos que se mostram irredutíveis perante uma pandemia que assola o mundo e que, como António Costa bem disse, não foi criada nem importada por Espanha, estão entre os que mais beneficiam per capita em termos líquidos da existência do mercado europeu. Muito mais do que Portugal ou Espanha, por exemplo. 

Costa esteve à altura, mostrando que já não aguenta mais insolências vindas da Holanda, realçando ainda que "essa mesquinhez recorrente mina a UE e é uma ameaça à própria UE". Como que trilhada na garganta, o primeiro-ministro português recordou ainda a insinuação de Jeroen Dijsselbloem, o antecessor de Hoekstra, quando se referiu aos países do sul sugerindo que gastavam o dinheiro em copos e mulheres. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, colocou-se, e muito bem, ao lado do primeiro-ministro, mostrando que Portugal já não tem paciência para lições holandesas. Numa atitude de líder, António Costa não se inibiu de reforçar: "Já era insuportável trabalhar com o sr. Dijsselbloem, mas há países que insistem em mudar os nomes, mas em manter pessoas com o mesmo perfil". 

Tempos difíceis exigem medidas firmes. Mas as pessoas terão de estar sempre em primeiro lugar. A humanidade luta pela sobrevivência, e cada um terá de fazer a diferença, mesmo quando todos somos chamados a intervir. 

Hoje o Papa Francisco rezou pela Humanidade, numa cerimónia transmitida a partir da praça de São Pedro, impressionantemente vazia, encharcada pela chuva, envolta num anoitecer, que se estendeu para o resto do mundo 

“Desde há semanas que parece o entardecer, parece o cair a noite. Densas trevas cobriram as nossas praças, ruas e cidades; apoderaram-se das nossas vidas, enchendo tudo de um silêncio ensurdecedor e de um vazio desolador, que paralisa tudo à sua passagem: pressente-se no ar, nota-se nos gestos, dizem-no os olhares. Revemo-nos temerosos e perdidos.” 

O Papa terminou esta oração dando a bênção em várias direções, e os sinos da basílica ecoavam pela praça e pelos nossos corações. A Praça de São Pedro, sempre repleta de multidões, continuava assustadoramente vazia, mas lavada pela chuva, como se a nossa vida fosse assim renovada, através de uma oração abençoada. 

No contexto atual, de apreensão e incerteza, também a Europa não pode ficar aquém daquilo que os cidadãos esperam dela. Deve ter uma posição clara e de liderança porque esta crise é de todos, incluindo alemães, holandeses, finlandeses e austríacos. 

Se num mundo inevitavelmente conectado, António Costa mostrou que a solidariedade deverá ser a política central, o chefe máximo da Igreja Católica lembrou que “Estamos todos neste barco. É tempo de reajustar a vida. Ninguém se salva sozinho.” 

PS - Sou apartidária e uma não especialista em assuntos económicos.

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