«O Deus das Pequenas Coisas»

«O Deus das pequenas coisas» é a história de três gerações de uma família da região de Kerala, no sul da Índia, que se dispersa por todo o mundo e se reencontra na sua terra natal.


Tal como as nossas vidas, uma história feita de muitas histórias. A história dos gémeos Estha e Rahel, nascidos em 1962, por entre notícias de uma guerra perdida. A da sua mãe Ammu, que ama de noite o homem que os filhos amam de dia, e de Velutha, o intocável deus da perda e das pequenas coisas. A da avó, a do tio, a da filha, a da tia-avó e de outras pequenas histórias de uma família que vive numa época conturbada, num país cuja essência parece eterna. Um país, que poderia ser Portugal, e uma época que em tudo poderia ser intemporal. Onde só as pequenas coisas são ditas e as grandes coisas permanecem por dizer, tal como em qualquer sociedade. Assim começa “O Deus das Pequenas Coisas”, primeiro romance da escritora indiana Arundhati Roy, que nasceu em Kerala, Índia, em 1961. Publicado em 1997, é o seu primeiro romance e recebeu o Booker Prize do mesmo ano.

Mas quem é esse «Deus das Pequenas Coisas» e porque resolvi falar dele?

Serão sempre as pequenas coisas que nos magoam. Nunca seremos imunes às injustiças, porque somente aqueles que têm o centro do mundo dentro de si conseguem alhear-se da realidade. Belo e comovente, «O Deus das Pequenas Coisas» é a história de três gerações de uma família que poderia ser a nossa. Tal como numa família qualquer, existirá sempre um momento em que questionamos toda a nossa existência e em que alguns fantasmas adormecidos regressam à nossa casa.

Como explica a própria escritora “o deus das pequenas coisas é a inversão de Deus. Deus é uma coisa grande e está sempre a controlar. O deus das pequenas coisas pode ser a forma como as crianças veem a vida dos insetos, dos peixes ou das estrelas - é um não-aceitar do que pensamos ser as fronteiras dos adultos”.

Não gosto de periocidades para escrever, gosto de fazê-lo sem pressas, pelo simples prazer de refletir sobre a vida e sobre as pessoas. Mas nunca me afasto da escrita. Pelo contrário, aproveito as palavras para as dedicar às minhas lutas internas, a causas em que sempre acreditei e para, através delas, dar voz às pequenas causas – ou dito de outra forma “às pequenas coisas”.

Na obra mencionada “tudo começou realmente na época em que as leis do Amor foram feitas. As leis que estipulavam quem devia ser amado, e como. E quanto." Mas que leis seriam estas? Quem terá doseado e distribuído o Amor? Terá sido o deus das pequenas coisas ou o Deus dos grandes feitos? Não importa a resposta, que embora pudesse ser óbvia, não menos óbvio seria o quão desequilibradas terão sido as dosagens e a sua distribuição. Mais complexo ainda: como se é amado? Existirá uma forma ou várias formas de o ser?

A importância das coisas não está no seu tamanho, mas no que representam no nosso contexto. Deus (maiúsculo) ou deus (minúsculo), tanto me faz. Deste ponto de vista, nada é demasiado pequeno ou excessivamente grande. Coisas ínfimas tornam-se enormes quando contextualizadas; e coisas grandes, insignificantes, quando relativizadas. É que a importância das coisas está na função que desempenham na nossa relação com os outros. Sob este conjetura, as coisas menores serão, quase sempre, as mais importantes.

Tal como na obra de Arundhati Roy, as pequenas coisas poderão passar “por amores proibidos ou desejos reprimidos”.

Agosto já terminou e o cheiro dos frutos maduros também. Os dias parecem mingar, como se caminhassem ao encontro das coisas pequenas e, tal como uma nuvem que se dissipa, o natal não tardará.

Na vida, tal como na obra, uma lição sobressai: quem não é fiel nas pequenas coisas, jamais o será nas grandes. Entre as coisas pequenas e as grandes, já dizia Oscar Wilde “prefiro as coisas simples, porque elas são o último refúgio de um espírito complexo”. Quanto ao Deus ou deus, prefiro o meu, que será sempre uma mistura de ambos. Existem histórias que começam pelo fim…

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