O fascínio do Narciso

Narciso era um belo rapaz que todos os dias ia contemplar a sua própria beleza a um lago. Narciso estava tão fascinado por si mesmo que certo dia caiu dentro do lago e morreu afogado. No lugar onde caiu nasceu uma flor a que chamaram Narciso. E assim, nasceu uma lenda...


Através da tradição oral, esta e muitas outras lendas chegaram aos nossos dias. São tantas que hoje torna-se difícil separar o que é realidade, do que poderá ser meramente ficção, e a verdade é que muitos acreditam nelas.

A lenda de Narciso pode explicar e alertar para a crença de uns e para a descrença de outros. O egocentrismo dos nossos dias e o fascínio que sentimos por nós próprios, tal como Narciso, faz com que muitas vezes julguemos as nossas verdades – entenda-se crenças – como realidades absolutas.

Voltemos ao Narciso, desta vez à forma como Oscar Wilde acabava a história. Ele dizia que quando Narciso morreu vieram as Oréiades - deusas do bosque – e viram o lago de água doce transformado num cântaro de lágrimas salgadas. “Porque choras?” – perguntaram as Oréiades. “Choro por Narciso” – respondeu o lago. As Oréiades não ficaram surpreendidas, afinal sempre tinham corrido atrás do Narciso pelo bosque e – pensavam elas – o lago era o único que contemplara de perto a sua beleza! E acreditavam piamente nesta verdade, aliás tinham necessidade de acreditar nela para entender a essência da sua “busca”... Mas seria o lago conhecedor da beleza de Narciso? Terão os nossos olhos o mesmo protótipo de beleza? Todos conseguirão alcançar os mesmos horizontes e visualizar as mesmas dimensões?

O lago ficou durante muito tempo silencioso aquando da pergunta das Oréiades - “quem mais do que tu poderia conhecer a beleza de Narciso?”- e, por fim, respondeu: “eu choro por Narciso mas nunca tinha percebido que ele era belo.” Posso revelar-lhes que o lago chorava por Narciso porque todas as vezes que Narciso se debruçava sobre as suas águas, o lago podia ver, no fundo dos seus olhos, a sua própria beleza refletida.

O mundo das aparências é demasiado complexo e cada um de nós tem uma maneira diferente de apreender o sentido das coisas, mas todos procuramos nelas uma resposta para a nossa crença pessoal. Sempre existiu uma linguagem que está para além das palavras. É nesse limiar, que separa o visível do invisível e o palpável do não palpável, que residem muitas das respostas às nossas perguntas.

Eu acredito naquilo que a minha crença me faz acreditar e considero que, embora este texto seja simbólico, contém verdades que o nosso pensamento se recusa a aceitar, talvez pela sua simplicidade. Ou porque possui uma linguagem dirigida ao coração e não há razão.

O importante é cada um seguir o seu sonho, nem que para isso tenhamos que enfrentar as maiores dificuldades, atravessar desertos e defrontar os mistérios que acompanham e acompanharão o Homem desde o começo dos tempos.

Deus ou deuses, religião ou religiões, milagres ou fé, o ser humano necessita de acreditar em algo que reavive a sua força interior.

Eu tenho a minha crença e acredito na existência do Narciso, encontro-o cada vez que atravesso os bosques, através do seu odor. Depois passo pelo lago, contemplo a sua beleza e revejo a minha aura, ao mesmo tempo que o lago vê a sua beleza reflectida nos meus olhos.

Acredito que a minha crença pode ser interpretada de diversas formas. “O que há de bom ou mau em qualquer crença, «qualquer», é o modo como se crê. O bem ou o mal estão no psiquismo do crente, não na crença.” Fernando Pessoa

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