O fogo que arde silenciosamente



Por muito que se diga ou escreva nada poderá apagar as chamas que ardem dentro do coração de muitos pais, mães, avós, filhos ou famílias inteiras. Chamas silenciosas, mas que mudaram para sempre as vidas dos que ficaram e arrancaram abruptamente os sonhos dos que partiram sem pedir. Muito já foi dito, é certo, mas também ficou tanto por dizer…Tantas conversas inacabadas, tantas alegrias interrompidas. Portugal foi atingido no seu âmago e, por consequência, todos nos sentimos feridos e ultrapassados.  

É certo que não podemos ir pelo caminho mais fácil, mas o que fazer quando já nem existe caminho ou se existe nos faz cair no abismo? Nunca defendi que quando alguma coisa corre mal devem “rolar cabeças”, mas quando tudo, mas mesmo tudo corre da pior forma devem ser apuradas responsabilidades. Há dias, numa conversa de café, falávamos do rigor do Estado para com os contribuintes, no que diz respeito aos seus impostos. Rigor este que se pode traduzir em meros segundos, mas em muitos euros de juros de mora quando esses segundos são ultrapassados. Pergunto, não deveremos ter o mesmo grau de exigência para com um Estado que é tão intransigente?

Não existe perdão para tamanha barbárie! Mais de 100 pessoas perderam a vida em quatro meses, perante a apatia dos nossos governantes, enquanto muitos de nós assistíamos pela televisão, como se de um filme de terror se tratasse. Não pode ficar impune tamanha dor!

Sei, porque tenho origens rurais, o que significa ser português do interior, trabalhar de sol a sol, sem qualquer dia de descanso, com muito sacrifício e esforço sobre-humanos. Vida dura, mas honesta, carregada de muito suor. E tantas, tantas aldeias, populações inteiras ficaram laceradas pelo fogo. São tantos os rostos da tragédia.

Neste rasto de destruição, que impere um pouco de humanidade em todos nós.  Senhores políticos, por favor respeitam as famílias dos nossos mortos, pois pelos que partiram já nada pode ser feito! Não pode haver aproveitamento político mediante tão colossal catástrofe. Sejam grandes e ergam-se com altivez perante um povo ferido. Honrem a memória dos que não pediram para partir e foram vítimas do marasmo, não apenas dos que atualmente nos governam, mas de todos os que governaram nas últimas décadas. Sim, todos têm de pedir desculpa e viver com esse peso na consciência. Todos, sem exceção. Governar é assumir as consequências e passar das palavras aos atos.   

Como diria o meu filho de oito anos, e já tem essa consciência desde os 4 anos de idade, “as desculpas não se pedem, evitam-se!” Os três relatórios sobre os incêndios de Pedrogão Grande são perentórios em afirmar que “tudo falhou”! E quatro meses depois o que mudou?

Uma palavra aos nossos bombeiros voluntários - atente-se na palavra “voluntários” - e este reconhecimento deve estender-se a tantos outros rostos anónimos que, no meio do inferno, conseguiram verdadeiros milagres.

O Sistema Europeu de Informação de Incêndios Florestais contabilizou mais de 500 mil hectares de floresta ardidos. Mais de 54 mil hectares desapareceram no pior dia do ano em número de incêndios. 523 ocorrências.

Mais 100 mortos, tantos e tantos danos físicos, psicológicos, financeiros e ambientais irreversíveis… Até quando? Até já não existir mais nada para arder?



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